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EDELSON NAGUES
(BRASIL – MATO GROSSO)
Edelson Nagues, mato-grossense radicado em Brasília, é poeta, escritor, revisor de textos e servidor público.
Estudou Direito e Filosofia, com pós-graduação em Língua Portuguesa. Conquistou vários prêmios literários e tem textos publicados nas revistas eletrônicas Zunái, Mallarmargens, Germina, Musa Rara, Literatura & Fechadura e Samizdat, entre outras. Publicou os livros Humanos (contos) e Águas de clausura (poesia – vencedor do X Prêmio Literário Asabeça), pela Editora Scortecci, em 2012; organizou a antologia Respeitável público: histórias de circo e outras tragédias (Editora Penalux, 2015) e participou da coletânea Horas partidas (contos – Penalux, 2017) e da plaquete Tanto mar sem céu (poesia – Lumme Editor, 2017).
É coautor do CD Anand Rao musica poemas de Edelson Nagues (edição dos autores, 2013).
DANIEL, Claudio. NOVAS VOZES DA POESIA
BRASILEIRA. Uma antologia crítica. Capa: Thiti
Johnson. Cajazeiras: Arribação, 258 p.
ISBN 978-85-6036-3333365-6
Exemplar biblioteca de Antonio Miranda
SOBRE TEMPO E MEMÓRIA
As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede a sua morte?
(FERREIRA GULLAR – As peras)
A maçã
apodrece
sobre a mesa.
A comida
posta à mesa
[que apodrece].
Tal qual
um homem
apodrece.
[Seu olho no vidro.]
A mesa
apodrece
sob a maçã
[aquela].
sob o prato
de comida,
que tddambém.
A madeira
apodrece
o interior da mesa,
antes.
E o homem
[o mesmo]
tem tremor nas mãos.
A fórmica,
revestindo a madeira,
solta-se em lascas.
[Como a pele
do homem.]
A comida
apodrece
na escuridão
do estômago.
[E o homem
regurgita
pássaros
calcinados.]
A memória
da maçã
já não traz
a mesa,
que não traz
a madeira,
que não mais
a árvore.
Esta
já não [se]
lembra
[d]a floresta,
[Envelhecer
é só —
e sozinho.]
O homem
e seu dente de ouro,
sem sorriso.
A mulher
e seu colar de pérolas,
sem a festa.
Um e outro
e sempre sem
[e só].
Na memória
de ambos,
um que se foi
e outro nunca.
A mulher
reluta
em ser a maçã
[que apodrece].
E o homem,
a mesa
[que também].
[A madeira
corroendo[-se]
por dentro.]
A memória
[dela]
seca-se,
como a carne
da maçã.
Seca-se,
como os olhos
[de vidro?]
filtram
a desluz.
A memória
[dele]
sobe na mesa,
pula da árvore,
cai no rio.
Mas rio
já não há:
vazio espesso.
E o homem-
árvore
apodrece
longe
da floresta
de homens.
[Envelhecer
e só —
e sozinho.]
Torna-se
refém
da memória.
Como a árvore,
da terra que
a sustém.
E a maçã,
da espada
que a corta.
A memória
é frio aço
de dois cortes.
Tanto fere
quem a cultiva
quanto
quem ignora.
A memória
é lâmina
que divide
as horas.
Como a espada
trespassa a maçã
[sua carne
morta].
A memória
é substância
torta
se apodrece
dentro
de quem
gesta.
Tal qual
a comida
[indigesta
os vermes
que a devoram.
A memória
[presente]
esconde-se
em ausências
fortuitas.
Relógio
sem pêndulo,
marca o esque-
cimento.
A memória
paralisa
o tempo
[rio de
matéria
putrefata].
Tenta
disso-
vê-lo/unir
suas pontas.
Ou divi-
di-lo:
múltiplos
espelhos.
A memória
quer fazer-se
mesa
antes
de fazer-se
árvore,
antes de
floresta.
A memória
quer lograr
o tempo
no falso
de suas horas.
Já o tempo,
por seu turno,
não se dá
por vencido.
E separa
a madeira
da mesa
a mesa
da maçã
—
a maçã
da mulher
a mulher
do homem
[em gêneros
e dores]
e o homem
e a mulher
de si mesmos.
O tempo
se
para,
enquanto
prepara
o bote
no mote
do homem
[ou mulher]
livre.
*
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Página publicada em setembro de 2024
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